PEC da Blindagem e as Manifestações
- Marcos Henrique
- 23 de out.
- 4 min de leitura
Fazia tempo que não se viam manifestações tão contundentes contra atos ou projetos elaborados pelo Parlamento brasileiro.
Quase sempre, o foco principal é o Poder Executivo, e recentemente o Poder Judiciário também ganhou notoriedade.
Mas a PEC da Blindagem (Proposta de Emenda à Constituição) parece ter testado os limites da inércia dos cidadãos brasileiros.
Se pensarmos no projeto elaborado e aprovado da forma como foi, criaria uma nova casta de pessoas acima da lei, praticamente intocáveis.
A imunidade se tornaria absoluta — e a Justiça, impotente.
O que é a PEC da Blindagem (ou das Prerrogativas)
Antes de mais nada, é preciso entender o que é a chamada “PEC da Blindagem”, ou “das Prerrogativas”, como preferem os parlamentares favoráveis à proposta, e quais são seus efeitos práticos.
A PEC não surgiu do nada: a imunidade parlamentar está prevista na Constituição de 1988, mais precisamente no artigo 53.
Vale relembrar o texto original:
“Art. 53. Os deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa.”
Em 2001, com a Emenda Constitucional nº 35, o texto passou a ter nova redação:
“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.”
A finalidade da imunidade parlamentar
A imunidade foi criada para garantir que o parlamentar tenha liberdade e segurança para exercer seu mandato, defender ideias e votar conforme suas convicções.
É uma proteção necessária à independência do Poder Legislativo.
Contudo, a primeira versão do artigo 53 abria brechas graves para a impunidade, pois impedia o processamento criminal sem autorização da Casa legislativa — salvo em caso de flagrante de crime inafiançável.
Durante os treze anos em que essa regra vigorou, cerca de 300 casos deixaram de ser investigados.
Era praticamente impossível fazer cumprir a lei contra parlamentares.
Casos emblemáticos de impunidade
Um dos mais chocantes é o do ex-deputado Hildebrando Pascoal, ex-coronel da Polícia Militar do Acre, eleito em 1998 pelo PFL.
Conhecido como o “deputado da motosserra”, ficou famoso por um crime bárbaro: o assassinato e esquartejamento de um homem com uma motosserra.
O filho da vítima, de apenas 13 anos, também foi morto.
Mesmo diante das denúncias, as investigações não podiam avançar sem autorização da Câmara, devido à proteção constitucional.
Somente após a cassação de seu mandato, em 1999, é que foi julgado e condenado — as penas somam mais de 100 anos de prisão.
Outro caso emblemático é o do ex-senador Ronaldo Cunha Lima, que em 1993 atirou em seu rival político, o ex-governador Tarcísio Burity, dentro de um restaurante em João Pessoa (PB).
A tentativa de homicídio foi pública, mas o caso se arrastou por anos.
Em 2007, quatorze anos depois, Ronaldo Lima renunciou ao mandato dias antes do julgamento no STF, perdendo o foro privilegiado.
Seu julgamento foi enviado à Justiça comum, mas ele faleceu em 2012, dezenove anos após o crime, sem ser julgado.
A única ação penal autorizada pela Câmara entre 1988 e 2001 foi contra o deputado Jabes Rabelo (PTB-RO), acusado de receptação.
Ele foi cassado em 1991, mas posteriormente absolvido criminalmente.
A mudança de 2001: um avanço importante
Com a Emenda Constitucional nº 35/2001, caiu a necessidade de autorização prévia para investigar deputados e senadores.
Isso transformou a relação dos congressistas com a Justiça.
Um levantamento da revista Congresso em Foco mostrou que, entre 2015 e 2018, 238 deputados e senadores respondiam a algum procedimento no STF — uma prova de que a imunidade vinha sendo usada para acobertar irregularidades.
O retorno da blindagem
Agora, quase quatorze anos depois desse avanço, o país foi surpreendido pela tentativa de reinstaurar as barreiras à investigação parlamentar.
E não só isso: a nova PEC ampliava as proteções, criando um verdadeiro escudo político.
Segundo o texto aprovado na Câmara:
A abertura de processos contra deputados e senadores dependeria de voto secreto, sem registro nominal;
Prisão em flagrante (inclusive em crimes inafiançáveis, como racismo, tortura e tráfico de drogas) precisaria ser confirmada pela Casa em até 24 horas, também por voto secreto;
As imunidades seriam estendidas aos presidentes de partidos com representação no Congresso.
Tamanho privilégio nenhuma outra classe ou cidadão possui — e dificilmente possuirá.
A alegação de que se tratava de um “retorno ao texto original” da Constituição não condiz com os fatos: a nova proposta criava ainda mais obstáculos à Justiça.
A reação popular e o poder da pressão
A justificativa de “equilíbrio entre os poderes” tampouco se sustenta.
Na prática, criar-se-ia um “superpoder” acima da lei, uma casta capaz de decidir quem pode ou não ser investigado — uma ação entre amigos.
Falaram em “perseguição do Judiciário”, mas a maioria dos processos contra parlamentares envolve crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e fraudes.
Não há registro de perseguições por opiniões legítimas.
Falas preconceituosas ou racistas, por outro lado, são crimes — e devem ser punidas.
A compreensão popular sobre o que realmente estava em jogo foi surpreendente e positiva.
Vivemos um momento em que o cidadão exige transparência e retidão.
Não há mais espaço para malfeitos — nem paciência para tolerá-los.
No dia 21 de setembro de 2025, após convocação pelas redes sociais, milhares de pessoas foram às ruas em todo o país, demonstrando indignação contra o Parlamento.
Geralmente, esse tipo de protesto recai sobre o Executivo, mas a tentativa de se colocar acima da lei despertou a vigilância do brasileiro também sobre o Legislativo.
Vitória da cidadania
A pressão popular deu resultado:
a PEC da Blindagem foi rejeitada de forma unânime na Comissão de Justiça do Senado, sem sequer ir ao plenário.
O episódio causou grande constrangimento aos deputados que haviam aprovado o texto na Câmara.
Esse resultado mostrou a força da participação popular.
Hoje, com as redes sociais, é possível protestar nas ruas ou de forma virtual.
Nossas responsabilidades vão muito além do voto:
fiscalizar, cobrar e se posicionar são atitudes essenciais para impedir que absurdos legislativos prosperem.
A informação está a um clique de distância — e somos nós os agentes da transformação.
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